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A origem das favelas e a relação com o livro O Cortiço, de Aluísio de Azevedo

Atualizado: 24 de out. de 2022

As favelas brasileiras são conhecidas pelo mundo todo, tanto por sua imensidão como pelos polêmicos filmes que as retratam, como os aclamados Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, e Tropa de Elite, de José Padilha. Mas qual é a origem desse tipo de moradia, que se tornou cartão-postal do Brasil para muitos estrangeiros? E o que o Cabeça de Porco, famoso cortiço do livro homônimo de Aluísio de Azevedo, tem a ver com esse tipo de moradia?


foto: Site 4FLY RJ
Foto: Site 4FLY RJ

Já é de conhecimento do grande público que as favelas, assim como o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar, fazem parte do cenário urbano e turístico da cidade do Rio de Janeiro. Assim como no Rio, em São Paulo e em outras capitais brasileiras, as favelas se fazem presente de maneira clara. Mas a questão é: como surgiu esse tipo de moradia no Brasil?


O negro subindo o morro


Foto: Site G1
Foto: Site G1

Na época de pós-escravidão, no final dos anos 1880, os ex-escravos não tinham para onde ir, já que o Brasil estava sofrendo um processo de "embranquecimento", no qual eram trazidos imigrantes europeus para o país a fim de que construíssem família e trabalhassem por aqui, dessa maneira eliminando aos poucos os mestiços que já existiam, fruto das relações normalmente não consentidas entre os donos das escravizadas e estas. Mesmo após serem libertados, os negros não eram valorizados como força de trabalho pago, então ficaram a mercê da sorte pelas ruas do país, inclusive no Rio de Janeiro. Sem emprego, sem moradia, sem nada, os ex-escravos começaram a subir o morro, se estabelecendo e iniciando o processo das favelas na capital carioca. Nessa parte, a história das favelas se mescla com a história dos cortiços. E as favelas se misturam com O Cortiço, obra naturalista do autor Aluísio de Azevedo.


Ao mesmo tempo em que os negros desempregados subiam o Morro da Providência, cujo nome era associado à divindade, já que as pessoas esperavam uma providência divina, algo que pudesse intervir em suas vidas de maneira positiva, cresciam também os cortiços.


Cortiço Cabeça de Porco


Os cortiços eram os grandes casarões, cujos donos não tiveram condições de mantê-los sem os escravos para ajudar com a manutenção, então os transformavam em uma casa com cômodos para alugar por valores módicos. Esse era o caso do cortiço Cabeça de Porco, que faz parte da obra literária de Aluísio de Azevedo. O Cabeça de Porco, no Rio e no livro, era um imenso cortiço, perto de uma pedreira, na parte central da cidade, onde seus moradores viviam, trabalhavam e ali exerciam a sua rotina. No livro, o cortiço pertence ao João Romão, um homem ganancioso que tinha no mesmo lugar uma venda, onde os moradores também faziam suas compras, e a dita pedreira. Ele possuía o monopólio nessa região. No Rio, o cortiço Cabeça de Porco, imenso como no livro, foi construído pelo prefeito da época, Cândido Barata Ribeiro, abrigando mais de 4 mil pessoas e a pedreira por perto.


Foto: Site G1
O nome Cabeça de Porco era uma ironia, pois os donos das chácaras grandes e suntuosas que existiam na época colocavam estátuas de leão em suas portas, para demonstrar poder e riqueza. Então, os menos abastados botaram na porta do cortiço uma cabeça de porco, mas de verdade. Depois trocaram por uma estátua de porco feita de barro, mas o nome do lugar já estava fixado por todos. Foto: Site G1

Além dos ex-escravizados que buscavam recomeçar a vida da forma mais digna possível, no ano de 1897, após a Guerra dos Canudos, os soldados voltaram para o Rio de Janeiro, pensando que iam ganhar uma casa por sua boa batalha, porém não foi isso que aconteceu. Em reação de revolta, os soldados invadiram o quartel no Rio de Janeiro, destruíram muita coisa e também subiram o Morro da Providência.


Logo com essa subida, também veio a mudança de nome do local. Assim que viram o morro, os soldados falaram que ele se assemelhava às favelas que viram em Pernambuco, na guerra. As favelas são plantas bem espinhosas, típicas de lugares secos. Assim, mudaram o nome do lugar para Morro da Favela, se tornando tempos depois, a Favela.


Voltando aos cortiços, a obra de Azevedo é fiel à realidade dos cortiços dos anos 1890. Sendo uma obra naturalista, tipo de escrita que preza o real, analisando sempre as situações cotidianas e expondo-as de maneira verdadeira, O Cortiço leva o leitor aos antigos tempos do Cabeça de Porco, mostrando a realidade nua e crua da época.


Os personagens também são fiéis aos tipos da época. Mostra o antes citado João Romão, dono do cortiço, o português Jerônimo, a mestiça sensual Rita Baiana, que são alguns dos personagens retratados no livro. Dessa forma, o livro mostrava o olhar das pessoas sobre a sociedade desses tempos.


O cortiço Cabeça de Porco já não existe mais, pois foi destruído para ser construído um túnel em seu lugar, mostrando como a urbanização se impôs sobre a população mais desfavorecida.


Foto 3: site Rio Memórias
Foto: Site Rio Memórias

Foto: Facebook Amastour Babilonia e Chapeu Mangueira
Foto: Facebook Amastour Babilonia e Chapeu Mangueira

Já as favelas, estão mais fortes do que nunca. Nem sempre as favelas foram violentas, como hoje é mostrado nos filmes e nas séries. A violência começou a aparecer mais na época da ditadura, já que todos os que eram contra o sistema, desempregados ou pobres eram mau vistos pela polícia, que estava mais preocupada em repreender "inimigos" políticos do que controlar a crescente onda de violência no país. Dessa maneira, contraventores encontraram lugar onde estavam os mais vulneráveis.


Hoje, uma boa parte das favelas está pacificada, e praticamente são um mundo a parte. Existe turismo na favela, comércio forte, e toda a interação de uma sociedade própria e favelada, que se mantém de uma forma organizada e acolhedora. Alguns morros, como o da Babilônia, têm inclusive atividade turística própria, com guias organizados e prontos para atender aos turistas nacionais e internacionais.


É muito importante conhecer a história de um lugar, para valorizá-lo e entendê-lo.

Foto: Revista Veja
Foto: Revista Veja


Texto escrito por Caroline Prado

Professora de Cultura Brasileira e Português para Estrangeiros, internacionalista, estudante de Filologia e Línguas Latinas, Embaixadora do Projeto Libertas Brasil na Costa Rica, apaixonada por plantas, livros e fontes confiáveis.

 

Fontes


AZEVEDO, Aluísio de. O Cortiço. Editora Moderna.









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