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As Ilhas Malvinas através da arte argentina

Embora com o passar dos anos a memória do que se viveu na guerra ainda perdure, pensar na causa das Malvinas não é só mergulhar no que aconteceu durante a guerra, mas é analisar o que veio depois, fazendo surgir uma nova luta dentro de cada um dos argentinos. É levar também em consideração o trabalho feito pelos artistas que tentaram contar o que aconteceu e, ao mesmo tempo, contribuir em manter viva na memória dos argentinos a luta pela soberania.

Ilustração: Getty Images

No que concerne a Malvinas, existem tantos olhares delas como protagonistas dessa guerra. Por meio disso, há diferentes perspectivas que ajudam a reconstruir, a refletir sobre os erros e acertos da história, aquela que reitera a justa reivindicação de soberania que a Argentina vem fazendo desde 1833. Nesse sentido, Malvinas simboliza a defesa da soberania e ao mesmo tempo uma guerra dirigida pela ditadura civil-militar. Portanto, pensar Malvinas supõe que a sociedade argentina debate e reflete sobre os ferimentos que a guerra os deixou. Danos que continuam doendo e que muitos tentaram (e ainda tentam) enterrar no esquecimento. Mas tal esquecimento não foi possível, graças a inúmeras produções dos artigos científicos, artigos de opinião, bem como as obras de arte, fotografia, teatro, cinema, literatura, entre outros.


As histórias não contadas: o silêncio que grita em memórias

O dia 2 de abril é o Dia do Veterano e dos Caídos (mortos) na Guerra das Malvinas para homenagear os ex-combatentes e reivindicar a soberania do território das Ilhas Malvinas. Imagem: AP Photo – C. Beattie

Um exemplo é a novela "Las Islas" de Carlos Gamero, publicada em 1998, que foi um dos escritos mais complexos, devido à profundidade do relato da pós-guerra e do que significou para os ex-combatentes:

"Deixamos um espaço preciso quando saímos, mas ali mudamos de forma e quando voltamos não nos encaixávamos mais, por mais que nós déssemos voltas no quebra-cabeça. Voltamos dez mil iluminados, loucos, profetas, malditos, e lá vamos nós, soltos pelos quatro cantos do país, falando uma língua que ninguém entende, fingindo trabalhar, jogar futebol, foder, mas nunca completamente em algum lugar, sempre sabendo disso, algo de nosso valor e indefinível foi enterrado ali. Nos sonhos, pelo menos, todos nós voltamos para procurá-lo. Você entende? Não é o criminoso que volta ao local do crime. Ele é a vítima, baixo a esperança tirânica de mudar aquele resultado injusto que a prejudicou. Vá perguntar aos ingleses. Quantos você acha que querem voltar? Somos nós, os perdedores, os esfarrapados, os que gritam. Voltaremos toda vez que alguém quiser ouvir. O que pode interessar a revanche ao vencedor? O inferno nos marcou de tal forma que acreditamos que ao voltar faremos dele o paraíso e a noite acordamos chamando os demônios de papai que enfiam arpões em nós rindo. Sabe por que dez anos depois continuamos a nos disfarçar dessa forma, nos reunindo para organizar expedições impossíveis, reconstruindo os segundos de cada um daqueles dias que seria melhor esquecer? Estamos infectados, entende? Carregamos no sangue e vamos morrendo aos poucos, como o chagásico (doente da Doença de Chagas). Você não viu que eles são iguais os pólipos? A cada ano que passa eles se espalham um pouco mais, como aquelas manchas na parede. Trauma de guerra não é tão fácil. Estamos apaixonados até o âmago e os odiamos. Fetichistas, adoramos uma foto, uma silhueta e uma bota velha. Não é verdade que houve sobreviventes. No coração de cada um há dois pedaços arrancados e cada mordida tem o formato exato das ilhas" (tradução própria).

Por meio da novela, Gamero transmitiu versões da história, imagens e imaginações da guerra, mas também os imaginários a ela ligados. Mais do que um quebra-cabeça, “Las Islas” parece formar um caleidoscópio, no qual a história se mistura, combina e transforma. Alguns anos depois, o cantor "Ciro y los Persas" escreveu "Héroes de Malvinas". Na canção, Ciro captou muito bem o cenário do momento e conseguiu colocar os combatentes no papel correto e indiscutível: o de heróis.


"A indiferença do seu povo pode ser mais
que a bala mais voraz do inimigo,
haviam menos heróis mortos na frente
do que no campo de batalha do esquecimento.
E permanecerão eternas sentinelas
sem alívio esperando que algum dia
Sem sangue fluindo, o azul claro e o branco retornarão
para incendiar aquelas terras argentinas.
Eles sempre serão Heróis, eles sempre serão Heróis
para sempre nossos Heróis das Malvinas"

Uma manobra insensata para oxigenar um governo sufocado


O que se pode ler nos diferentes artigos, canções, novela, relatos é a disparidade de forças e a afirmação de que a recuperação das Malvinas foi uma operação mal planejada e mal executada, decidida para dar um pouco de oxigênio a um governo agonizante do que para concretizar o desejo de unidade territorial ameaçada por um enclave colonial. Com homens sem preparo adequado, carentes de vestimentas e insumos essenciais para uma disputa em um clima tão hostil e em um território distante do continente, as possibilidades táticas de obter uma vitória eram baixíssimas.

Puerto Stanley, capital de las islas Malvinas o Falkland - Imagem: Getty Images – D. Garcia

Os militares de carreira careciam do treinamento necessário para uma operação dessa natureza, tendo por décadas sua principal ocupação desempenhada por supostas tarefas de inteligência contra o "inimigo interno", reprimindo os setores populares e participando ativamente da política como a mão dos golpistas. Estado que interrompeu governos democraticamente eleitos, com o consentimento dos setores econômicos e instituições que, como a Igreja, foram favorecidos por esta ação.


Concluindo, pode-se dizer que a memória coletiva foi construída em torno da comemoração da guerra, chegando mesmo a colorir a reivindicação da soberania, que se encontra ligada ao reconhecimento dos mortos e sobreviventes do combate. A reivindicação da soberania sobre as ilhas é vista como uma homenagem a esse sacrifício e a sua demissão surge como uma traição à memória e ao empenho daqueles que lutaram pela pátria.


Manter viva a memória é vital para entender o porquê as coisas aconteceram do jeito que aconteceram e, para isso, tem-se que transformar a derrota em ocasião de reflexão sincera sobre o passado. Compreender o passado ajuda no entendimento e não repetição dos mesmos fatos no futuro.


Uma sociedade nunca será justa se não tiver memória, e essa é uma batalha que exige trabalho diário.



Texto escrito por Soledad Bravo


Escritora, editora e coordenadora da equipe "La Nación" no Observatório de Política Exterior Argentina (OPEA) e membro da Rede de Cientistas Políticas. Além disso, tem uma extensa carreira na área acadêmica; tem Licenciatura em Ciência Política, Doutoranda em Ciência Política (UFPE), Magister Internacional em Gestão de ONGs, Gestão de Voluntariado e Cooperação Internacional (Centro UNESCO) e é Bolsista da Organização dos Estados Americanos (OEA). Ama o Twitter e para encontrá-la pela rede procure por: @sooledadbravo


Revisão textual realizada por Mateus Santana

Mestre em Linguística e graduado em Letras com habilitação em português/francês pela UNESP. Especialista em Grafologia e Neuroescrita pela Faculdade Unyleya. Amante das Artes, da Linguagem e do Discurso


Edição e arte por Katiane Bispo

Formada em Relações Internacionais com especialização em Políticas Públicas. Integrante do Projeto Líbertas Brasil e é podcaster no programa "O Historiante".



 

Bibliografia


González, A. S., Manduca, R., & Perera, V. (2019). (Re) Pensar Malvinas: visualidades, representaciones y derechos humanos. Nuevo Mundo Mundos Nuevos. Nouveaux mondes mondes nouveaux-Novo Mundo Mundos Novos-New world New worlds.


Esteban, E. (2018). Pensar Malvinas. Maíz.


Belvedresi, R. E. (2022). Malvinas: el dolor y la memoria. Anales de la Educación Común, 3(1-2), 123-132.


Segade, M. L. (2015). Malvinas: Una representación inconclusa. En torno a La forma exacta de las islas.


Corte, M., & Mallades, J. (2015). El Museo Malvinas pensando la voz del Estado a partir del análisis de un lugar de memoria. Revista HACHE, (2), 8-23.


Segade, M. L. (2015). Malvinas: Una representación inconclusa. En torno a La forma exacta de las islas.


Ciro y Los Persas. (2012). Héroes de Malvinas [canción]. En 27. 300.


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