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Cães de Guerra: Os lucros da violência

Atualizado: 25 de abr. de 2023

Dois jovens sem muitas pretensões começam a construir um pequeno negócio envolvendo a comercialização de armas e munições nos Estados Unidos, algo que em um país altamente militarizado, parece um mercado próspero. Num primeiro momento parece uma jogada de mestre ao apenas intermediar os contratos entre governos e obter bons lucros, mas quando estes jovens vencem um contrato de trezentos milhões de dólares com o governo norte-americano/pentágono, as demandas, cobranças e encrencas se apresentam numa proporção bem maior. Tudo Isso parece ser um enredo muito fantasioso, mas é baseado numa história real.


A história de David Packouz e Efraim Diveroli é apresentada na telona através do filme Cães de Guerra e eles são interpretados por Miles Teller e Jonah Hill, respectivamente. O longa é dirigido por Todd Phillips, conhecido pela franquia "Se beber não case!".

Por se tratar a priori de uma comédia, com a trama sendo levada numa toada de piadas e em como se dar bem em muitas situações, um dos questionamentos apresentados no filme pode passar desapercebido pelo grande público: o uso indiscriminado de armas de fogo.

Se fizermos um recorte mais regional, focando no Brasil, vamos nos deparar com uma curva crescente do número de armas de fogo na mão dos cidadãos ao longo dos últimos anos. Com base em informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, a quantidade de armas de fogo nas mãos de civis e CACs (caçadores, atiradores desportivos e colecionadores) ultrapassou a quantidade de armas dos órgãos públicos, como as polícias civis, federal, rodoviária federal e guardas municipais, além de instituições como Tribunais de Justiça e Ministério Público.


A edição do Estatuto do Desarmamento em 2003 foi o marco inicial de uma longa política de controle de armas que o Brasil se propôs em momento da sua história. Diversos estudos e pesquisas produzidos por universidades, sociedade civil além de CPIs sobre o tema, indicavam uma série de pendências que deviam ser superadas como, por exemplo, a integração dos sistemas de registro de armas do Exército Brasileiro (EB) (Sigma) e da Polícia Federal (PF) (Sinarm).


A partir de 2017 e principalmente em 2019, nota-se uma mudança nos rumos do governo federal sobre o tema. A partir de uma premissa ingênua de "legítima defesa", "liberdade" e "segurança", os avanços no desarmamento foram totalmente revertidos por meio de um conjunto de atos normativos polêmicos. Com este incentivo aberto à compra das armas, temos hoje um país mais armado e com grupos de pressão pró armas organizados e com acesso as esferas de poder.

Voltando as informações detalhadas apresentadas no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, no Sinarm, por exemplo, em 2021, das 1.490.323 armas de fogo com registro ativo, apenas 384.685 estão ligadas a órgãos públicos. Armas de empresas de segurança privada ou outros tipos de pessoas jurídicas (empresas comerciais, revendedores, importadores, etc.) somaram 275.598 armas. Servidores públicos com direito a porte por prerrogativa de função possuíam 130.545, enquanto caçadores de subsistência e cidadãos somaram 698.576 armas. No caso do Sigma, estoques particulares incluíam 1.781.590 registros ativos, sendo 957.351 em posse de CACs.


Em 2021, o Sinarm contava com 1.542.168 registros de armas de fogo expirados. Número superior ao total de registros ativos (1.490.323). Para estimarmos o estoque total em acervos de particulares, é importante considerarmos as armas de fogo cujos registros estão expirados, visto que tais armas não deixam de existir quando seus registros se tornam irregulares. Podemos considerar que o total de armas de fogo em acervos particulares é de 4.429.396, entre registros regulares (Sinarm e Sigma) e irregulares (no Sinarm). Entre outros aspectos, isso significa dizer que de cada 3 armas de fogo em estoques particulares, 1 está em situação irregular. Sem fiscalização, não há como saber qual a situação, ou mesmo o paradeiro, deste estoque de armamentos, evidenciando uma grave falha no controle público sobre o tema.



Há um conjunto de ingredientes que desconsideram as evidências científicas

sobre o impacto de longo prazo que armas de fogo e munições exercem na sociedade brasileira. Muito além do discurso político que propaga desinformação e incentiva que os brasileiros se armem, o governo federal foi responsável por normas que facilitam o acesso às armas de fogo, ampliam a quantidade e os tipos de armas que as pessoas podem adquirir, possibilitam a compra de uma quantidade muito maior de munição e seus insumos para fabricação particular e não controlada, além de desmantelar os mecanismos de fiscalização pela vertente do rastreamento de armas e munições.

Por fim, é importante ressaltar que estudos demonstram que em uma sociedade de relações violentas como o Brasil, armas são catalizadores do efeito morte, escalonando situações do dia a dia em direção a desfechos fatais. As pesquisas de opinião mostram com frequência que o brasileiro não quer armas, mas sim segurança.

Nota:
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública se baseia em informações fornecidas pelas secretarias de segurança pública estaduais, pelas polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública. A publicação é uma ferramenta importante para a promoção da transparência e da prestação de contas na área, contribuindo para a melhoria da qualidade dos dados. Além disso, produz conhecimento, incentiva a avaliação de políticas públicas e promove o debate de novos temas na agenda do setor. Trata-se do mais amplo retrato da segurança pública brasileira promovido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o qual é uma organização não-governamental, apartidária, e sem fins lucrativos, que se dedica a construir um ambiente de referência e cooperação técnica na área da segurança pública. A organização é integrada por pesquisadores, cientistas sociais, gestores públicos, policiais federais, civis e militares, operadores da justiça e profissionais de entidades da sociedade civil que juntos contribuem para dar transparência às informações sobre violência e políticas de segurança e encontrar soluções baseadas em evidências.

Mais detalhes do filme:

Filme: Cães de Guerra (War Dogs/Os Traficantes)

Elenco: Jonah Hill (Efraim Diveroli), Miles Teller (David Packouz), Bradley Cooper (Henry Girard), Shaun Toub (Marlboro)

Diretor: Todd Phillips


Texto escrito por Gustavo Longo

Atuante na área da tecnologia há vinte anos, conciliador, curioso, disposto e apaixonado em sempre ajudar as pessoas, além de crente no poder transformador da Educação. Nas horas vagas, busca aprender sobre mercado de ações e em descobrir curiosidades do mundo do cinema através do canal Youtube Faro Frame. Acaba de iniciar um projeto pessoal com sua esposa para viajar e "viver" como um cidadão local em cada capital brasileira por 30 dias nos próximos anos.

 

Referências:

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