top of page

Futebol e o seu alcance além das quatro linhas

Atualizado: 1 de set. de 2022


O presidente russo, Vladimir Putin, passa o bastão simbólico da Copa do Mundo da FIFA para o emir do Catar, Tamim bin Hamad al-Thani, no Kremlin, em 2018.
O presidente russo, Vladimir Putin, passa o bastão simbólico da Copa do Mundo da FIFA para o emir do Catar, Tamim bin Hamad al-Thani, no Kremlin, em 2018.

Quem disse que política e futebol não se misturam?

Em anos de Copa do Mundo, como 2022, quem nunca cantarolou a canção?


"Noventa milhões em ação

Pra frente Brasil, no meu coração

Todos juntos, vamos pra frente Brasil

Salve a seleção!!!"


Escrita em 1970, por Miguel Gustavo, a canção se tornou o hino que embalou todo o país naquele ano, que ficou marcado pela conquista do tricampeonato mundial da seleção Brasileira e é relembrando a cada Mundial. Até então, sem problema algum, mas enquanto a seleção brasileira conquistava o campeonato no México, o país estava tomado pela Ditadura Militar, passando por um dos períodos mais tenebrosos da sua história.


A forte ligação entre o governo Militar e os torneios de futebol pode ser comprovada quando o então general e presidente, Emílio Médici, segura a taça Jules Rimet, onde a conquista do campeonato foi usada como propaganda política a favor da ditadura militar, em busca de fortalecimento do governo em busca de popularidade.

É a partir do sucesso da campanha de 70 que surge no ano seguinte o que seria o embrião do Campeonato Brasileiro que conhecemos hoje. O então torneio nacional Roberto Gomes Pedrosa foi gerenciado por João Havelange, então presidente da Confederação nacional, junto às organizações estaduais, presididas por militares. Foi também nesse período que foram construídos estádios, que são verdadeiros elefantes brancos, no interior e em algumas capitais do país.


Todo esse chamado ao patriotismo através do esporte e a invocação à "paixão nacional" pelo futebol, não era nada mais nada menos a releitura da política implementada pelos Romanos do pão e circo. Enquanto a maioria da população era entretida e se divertia com espetáculo do futebol, a sociedade era assolada com corrupção, censura, perseguição e mortes, durante a execução do Ato Institucional número 5, um dos mais perversos decretos já aplicados em território brasileiro.


Não foi só na ditatura militar brasileira que o futebol foi usado como meio de manobra para entreter a população, enquanto os governantes destruíam o país. Muito se especula sobre a copa de 78, onde Argentina conquistou o seu primeiro campeonato, após uma polêmica semifinal com a seleção do Peru, que foi goleada e é motivo de especulações por supostamente ter recebido propina para perder o jogo para a seleção anfitriã. Assim como no Brasil, a campanha de 78 foi usada na busca de popularidade e apoio da sociedade argentina ao governo ditatorial que assolava o país.


São inúmeros os escândalos e polêmicas em que o esporte mais democrático e praticado em todo o mundo é envolvido. É possível fazer uma linha do tempo e enumerar diversas situações que aconteceram ao longo do tempo, sendo uma das mais recentes a escolha do país-sede para o Mundial deste ano, onde a maior instituição do futebol e organizadora do evento, a FIFA, é acusada de receber suborno para escolher o Catar, país que vive uma monarquia absolutista e possui um futebol irrelevante.


Porém, não se pode fechar os olhos para a importância nas lutas políticas que o esporte tem.


O futebol a favor da democracia e contra-ataques a minorias


Foi dentro das quatro linhas, com o movimento "Democracia Corinthiana", que o jogador Sócrates e seus parceiros, durante a ditadura Militar, adentraram o campo para uma partida com uma faixa com os dizeres "ganhar ou perder, mas com democracia", convidando seus torcedores a lutarem fora dos estádios pelo retorno à democracia.


Afirmando que a luta pela democracia está no seu DNA e confirmando que a influência do futebol vai além das quatro linhas do estádio, as torcidas organizadas do Corinthians se juntaram às torcidas do Palmeiras e do São Paulo em protestos na avenida Paulista em 2020, contra o avanço da pandemia de COVID - 19 e contra os ataques as instituições democráticas feitos pelo presidente Jair Bolsonaro.


Também dentro das quatro linhas, aconteceram protestos contra crimes políticos, como no caso da vereadora carioca Marielle Franco e seu motorista, Anderson, brutalmente assassinados no dia 14 de março de 2018. Em um clássico carioca entre Flamengo e Fluminense, o rubro-negro, time da vereadora, entrou com uma faixa preta na camisa em forma de luto. Já as torcidas de ambos os times se juntaram, demonstrando que a rivalidade acaba quando a luta é contra a violência e içaram juntas bandeiras nas arquibancadas e em corredores do estádio em homenagem à vereadora e em protesto contra a violência com dizeres de "Marielle vive" e "Marielle presente".


Futebol como meio de ascensão social


Como diria a canção da banda mineira Skank, "Quem nunca sonhou em ser um jogador de futebol?". No país do futebol, as crianças improvisam campos de futebol na rua e várzeas para se divertirem e em muitas das vezes é a partir dali que descobrem o talento com a bola e vão em busca de uma vida melhor através do futebol.


Grandes clubes como o Flamengo, São Paulo e Cruzeiro, possuem projetos sociais de escolinhas de futebol, onde crianças podem desenvolver seu talento com muito treino e dedicação. Tendo como critérios para permanência no programa a continuidade dos estudos e o afastamento do mundo das drogas.


Muitas das vezes essas crianças são originárias de famílias pobres e da periferia e veem no esporte a possibilidade de conquista dos seus sonhos, buscando uma vida melhor.


Nomes importantes do futebol nacional são oriundos de projetos nesses moldes, como Pelé, Neymar, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldinho fenômeno, que se tornou não só um jogador que marcou a história do futebol como também empresário do ramo, comprando um dos mais importantes clubes brasileiros, o Cruzeiro.


Futebol S/A


Seguindo formatos utilizados na Europa e nos EUA, foi autorizado pelo governo federal em 2021, que os times brasileiros deixem de ser associados para se tornarem SAF (Sociedade Anônima do Futebol), o que permite que pessoas ou empresas compre o clube.


Antes mantidos por associações que, em muitas das vezes, buscavam influências políticas e benefícios escusos, esse formato permite agora trazer mais transparência, desenvolvendo planejamento estratégico e governança para o clube, proporcionando crescimento sustentável da marca.


A medida busca ajudar grandes clubes endividados, podendo assim ser vendidos para sanar suas dívidas e, a partir daí, voltam a crescer.


O Cruzeiro foi o primeiro clube a utilizar o novo modelo, sendo vendido para o ex-jogador Ronaldo. Porém, outros clubes como o Vasco, comprado pelo 777 Partners e outros clubes como o Botafogo, vêem na sua venda a possibilidade de sobrevivência e quitação das dívidas milionárias acumuladas.

Futebol é coisa de macho(?)


A venda de clubes de futebol, a busca por patrocinadores que descarregam milhões de Reais em investimento e em jogadores, geralmente, estão direcionadas a homens. O esporte da paixão nacional foi e, de certa forma, ainda tem sido um esporte que reflete dentro das suas quatro linhas a sociedade machista na qual vivemos.


Nas arquibancadas dos estádios, pouco se vê diversidade de gênero devido ao risco de assédio e agressão a mulheres, gays e pessoas transexuais.


Dentro das quatro linhas do campo, a situação não é muito diferente. Enquanto clubes e jogadores de futebol arrecadam milhões em patrocínios, jogadoras de futebol encontram barreiras, desde o futebol de base, até a liga profissional, que possuí pouca visibilidade.


Exemplo e referência do futebol feminino, Marta, jogadora da seleção brasileira de futebol é modelo de luta contra o machismo dentro e fora do campo. A maior artilheira das copas protesta contra a diferença de investimentos e patrocínios no futebol feminino, o que escancara o machismo dentro do futebol.



Desde 2018 a jogadora se recusa a usar chuteiras de patrocinadores e sempre entra em campo com a campanha "Go equal", que remete a luta por igualdade salarial na categoria.


A jogadora escondeu o logo de um patrocinador da seleção feminina ao ser fotografada para uma campanha, sinalizando a desigualdade de valores repassados em comparação ao futebol masculino. Marta foi criticada por jogadores masculinos, como o ex-jogador Vampeta, mais uma vez reforçando a estrutura machista dentro e fora dos campos de futebol.


Além do machismo, a homofobia ainda não recebeu cartão vermelho nos estádios. No Brasil não há registros de jogadores homens na ativa que se declaram abertamente gays ou bissexuais. Ao invés de analisar e criticar a forma de trabalho, os torcedores e o meio simplesmente jogam para debaixo do tapete o assunto. O ex-jogador da seleção brasileira Richarlyson, durante anos teve como a maior especulação sobre si sua sexualidade. O ex-jogador se assumiu bissexual em uma recente entrevista, sinalizando a homofobia direta e indireta que recebia dos colegas de clubes e das torcidas.


Além de Richarlyson, o jogador australiano assumidamente gay, Joshua Cavallo, que está na ativa, em entrevistas alega ter medo de ir ao mundial do Catar em novembro deste ano, devido as leis nacionais que podem levar a prisão e condenação à morte de pessoas que se assumem LGBTQIAP+ naquele país.


Viver é um ato político e o esporte reflete a nossa vivência e nossas escolhas, podendo ser elas inclusivas ou exclusivas, dizem que política e futebol não se discutem, mas elas estão misturadas muito mais do que se possa imaginar!


Texto escrito por Felipe Bonsanto

Formado em Administração de empresas, pós-graduação em marketing e apaixonado por Los Hermanos. É militante pelos direitos LGBTQIAP+, trabalha com educação há oito anos, atua como co-host no podcast O Historiante e é colunista do Zero Águia.

 

Fontes:








bottom of page