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Golpe do Amor: Um negócio altamente lucrativo

Atualizado: 23 de abr. de 2023

Quem nunca se imaginou como protagonista de uma história de amor com a possibilidade de realizar seu “felizes para sempre” nunca saberá do efeito devastador de sonhar com a realização do amor romântico que nos foi vendido durante toda a nossa vida e ter esse sonho destruído.


Os relacionamentos virtuais e a busca do amor romântico


O amor romântico, de modo simples, parte do princípio de que o parceiro deve ter características que julgamos perfeitas para nós, e essas expectativas são projetadas na medida que um vínculo se inicia. De acordo com a filosofia sartreana, podemos caracterizar os relacionamentos de modo sádico ou masoquista. O sadismo, parte do pressuposto de que exigimos o adequamento aos nossos ideais de amor, já no masoquismo tentamos nos adequar ao ideal do outro (eu-objeto).


Inúmeras canções, filmes, séries, livros e novelas que caem no gosto popular partem desta mesma premissa, o reforço do ideal no amor romântico e que dele pode (e até deve) resultar no sofrimento antes de alcançar o êxito.


Uma das canções de maior sucesso nos anos noventa e que relata bem essa dualidade do amor romântico e suas nuances de dor e sofrimento é a do cantor espanhol Alejandro Sanz, chamada Y, ¿si fuera ella?”. Na canção, é possível notar a busca pelo amor e a expectativa de encontrar o seu par perfeito, o ideal de amor romântico trazido por Sartre:


Ela acaricia e envolve minha alma

Eu digo... vem comigo!

Minha rival, minha companheira

Ela é assim


Mas me custa, quando outro adeus se aproxima

E a perderei de novo e outra vez perguntarei

Enquanto Ela se vai, e não existirá resposta

E, se Essa que se afasta


A que estou perdendo

E se era Ela? E se for Ela?


Nesta canção, Sanz narra a busca de uma mulher que ele acredita ser a ideal para ele, o seu amor perfeito, a quem chama de “Ela”. Por isso, o título da canção reforça essa busca “E se for ela?, busca que lhe causa sofrimento constante e a cada relacionamento se vê na expectativa de encontrá-la em suas parceiras. É perceptível notar sua angústia que aquela atual parceira possa ser sua amada ideal. “Ela” é o seu objetivo final, a qual acredita ser o seu “par perfeito”, a que tanto tempo ele buscou (e segue buscando).


As nuances do amor romântico são detalhadas em momentos de extrema confusão, em que Sanz narra as fases dos relacionamentos por ele vivido, quando ele se vê certo de que aquela parceira não é “Ela”, o seu amor perfeito, mas sofre por não ter certeza daquilo, e se pergunta: “e se for Ela?”.


Também temos canções brasileiras que narram essa busca de amor ideal, um dos exemplos de maior sucesso foi a canção do cantor Roberto Carlos, “Esse Cara sou eu”. A letra da canção relata o comportamento de um homem que está o tempo inteiro à disposição da sua amada e que para isso não mede esforços para que ela se sinta, ao seu ver, “querida” e “cuidada”:


O cara que pensa em você toda hora Que conta os segundos se você demora Que está todo o tempo querendo te ver Porque já não sabe ficar sem você


E no meio da noite te chama Pra dizer que te ama Esse cara sou eu


A letra apresenta uma série de comportamentos alarmantes, mas caiu no gosto popular e não foram poucas as mulheres que afirmavam naquela época que gostariam de um amante tal como “esse cara”, o que nos mostra o quanto o amor romântico é socialmente arraigado.


Mas “esse ideal irrealizável não é assimilável ao amor, na medida em que o amor é um empreendimento, ou seja, um conjunto orgânico de projetos rumo às minhas possibilidades próprias”, já nos alertava Sartre. A partir disso, desdobra-se outra faceta do amor romântico: o esforço para que esse amor sobreviva, pois é necessário que ele seja fruto de uma eterna luta em meio a uma constante adequação de expectativas e comportamento.


O autor Robert Johnson, manifesta seu ceticismo quanto à idealização do amor romântico e afirma que essa busca é um dos males da era moderna. Para ele, o amor deve ser resgatado do que chamou de “pântanos do romantismo" e que, se nos basearmos apenas nesse ideal romântico pagaremos um preço alto, à medida que nos traria ainda mais dor, não felicidade e alegria, como reforçado popularmente. Por isso, declara que “o amor humano está tão distorcido pelos excessos e pelas perturbações oriundas do romantismo, que quase nunca procuramos o amor pelo amor, e mal sabemos o que procurar quando o buscamos."


Apps de relacionamento e a busca do “amor ideal”


É justamente a busca desse ideal de amor romântico que leva milhares de pessoas de todo o mundo a se aventurarem no mundo virtual em busca do seu amor perfeito. Com a crescente - e inevitável - informatização, as opções de flertes e manutenção de relacionamentos à distância ganham cada vez mais adeptos. Estão disponíveis inúmeras alternativas para encolher a distância e facilitar essa interação, que vão desde sites de bate-papo virtual a aplicativos de relacionamentos, que podem ser baixados a qualquer momento por aparelhos Android ou IOS, basta apenas ter acesso à internet e tudo se torna possível, e em qualquer lugar do planeta.

Todas essas alternativas têm a mesma promessa: conectar você com seu amor. O Tinder, um dos aplicativos mais baixados na loja virtual do Google Play incentiva essa busca com a frase “Dê um match'. Converse. Encontre”, já o aplicativo Amor Perfeito vai ainda mais longe com “Amor Perfeito. Já achou o seu?”.


As narrativas são amplamente reforçadas com as inúmeras histórias de amor que se iniciaram de modo virtual, o que acabou tornando-se um ideal a ser alcançado, todas essas histórias com enredos românticos e com grande apelo emocional.


A busca pelo “amor perfeito” envolve uma série de etapas para aqueles que o buscam, que vão de incontáveis horas de conversa por aplicativos de mensagens instantâneas por várias horas ao dia, chamadas de vídeo e até mesmo o envio de fotos com a exposição de partes íntimas, popularmente chamados de nudes. Tudo isso para dar um melhor panorama ao potencial parceiro, de modo que ele possa fazer uma prévia seleção, classificação e qualificação desse flerte virtual, que pode ou não corresponder ao seu ideal de amor perfeito.


Somadas a todas essas expectativas de enquadramento e seleção, em um primeiro momento, há um grande motivo de euforia pois existe a chance, mesmo que pequena, daquele “amor perfeito” se tornar algo real. Naquele momento, existe a chance de que os sonhos de uma vida com o amor possível e tão sonhado possam se tornar realidade, e “quisera as estrelas” que seja a última vez nessa incessante busca, e que enfim consiga encontrá-lo justificando a sua trajetória em busca do amor ideal.


O amor romântico é um ideal reforçado, e alimenta o imaginário popular de muitas formas. Por isso a busca de relacionamento à distância têm se tornado uma boa alternativa, mas diferente do encontro presencial, os aplicativos de relacionamento, em sua face mais sombria podem facilitar tanto a ocultação de informações quanto a criação de perfis falsos para enganar pessoas, o que presencialmente torna-se mais difícil devido a comunicação não-verbal. Essa tem sido uma das armas mais usadas tanto por inúmeros golpistas que agem de modo isolado, conseguindo subtrair de suas vítimas quantias variadas, até o crime organizado que se aproveita da tecnologia para aplicar diversos golpes ou facilitar o tráfico de mulheres para fins de casamento forçado, de exploração sexual ou mesmo trabalho forçado.


O Golpista do Tinder: o estelionato sentimental


A série “O Golpista do Tinder”, disponível no catálogo da Netflix, chama a atenção não apenas pelo modus operandis de Shimon Hayut, o golpista mencionado no título, mas também pelo roteiro de amor romântico elaborado por ele para manter suas vítimas cativas e apaixonadas.

Hayut encantava suas vítimas com uma narrativas comoventes e emocionantes que envolviam diamantes, máfia russa e até perseguição realizada pelos seus oponentes, quando a realidade era uma vida luxuosa, extravagante, que ia desde roupas de grifes, carros de luxo e baladas da high society em diversos países pelo mundo.


A busca do par perfeito pode se tornar um pesadelo quando as expectativas de viver esse amor ideal se descobre baseado em uma rede de mentiras e manipulações, e aquele que outrora era a personificação do “amor perfeito” descortina-se como o autor de uma estratégia para obter benefícios, sejam eles de ordem material ou mesmo emocional, os chamados catfish.


O nome catfish, é utilizado quando um perfil falso é criado na internet com a intenção de enganar alguém. O documentário sobre os golpes realizados por Shimon Hayut faz uma alerta de como os aplicativos de relacionamentos podem ser uma grande arma para ação de golpistas nos chamados “estelionatos sentimentais”, ou “Golpe do Amor”, caracterizado quando a vítima é induzida pelo golpista a acreditar que está em um relacionamento, mas é lesada financeiramente.


Engana-se quem acredita que estes casos só acontecem em locais distantes. Na última semana (25), foi preso no Rio de Janeiro, Luiz Antonio Pereira, 58 anos, conhecido como “Golpista do Tinder do RJ”, que estava foragido há um mês e foi detido por agentes da Delegacia da Mulher (DEAM) de Jacarepaguá/RJ por aplicar o “Golpe do Amor” em cerca de 5 mulheres, segundo as investigações.


O sentimento mais comum das vítimas nestes casos é de vergonha ao se reconhecerem em uma situação de exploração. A recorrente culpabilização feita pela sociedade quando ousam expor o ocorrido é uma inversão de papéis de modo cruel e que desnuda a sociedade das “oportunidades”. Não é de se estranhar que Shimon Hayut tenha uma grande quantidade de seguidores ainda hoje - homens em sua maioria esmagadora - mesmo depois de ter seu rosto estampado em jornais de todo o mundo e dos relatos do sofrimento trazido por ele às suas vítimas.


Todas as vítimas possuem em comum fragilidades que são exploradas pelos golpistas. Segundo a psicóloga Luciana Zanette:

“a vida emocional de um indivíduo tem a sua base na infância, através das relações que manteve com seus pais e outros membros significativos da família, portanto, o contexto familiar impacta no bem-estar biopsicológico de uma pessoa, então seja por ter vindo de uma família abusiva ou carente, seja por ter sofrido algum tipo de trauma, negligência, abusos ou por uma combinação destes fatores muitos indivíduos desenvolvem baixa autoestima e baixa autoconfiança, o que seria um facilitador para a aproximação (dos golpistas)”

Luciana continua:“durante o período de sedução, o perpetrador se comporta como uma figura paterna ou uma materna, oferecendo suporte e atenção que geram na vítima uma sensação de segurança, assim elas se sentem protegidas, e confiam cada vez mais no suposto namorado”.


A idealização do amor pode levar pessoas a se aventurarem em relacionamentos falidos e por vezes muito perigosos que podem lhes custar não apenas sua integridade física como também fragilizar ainda mais sua saúde mental. O amor romântico pode estar facilitando ainda mais a vida destes golpistas e fazendo dele seu melhor negócio, um negócio muito lucrativo e que ainda não tem ganhado da sociedade a atenção devida.


Texto escrito por Katiane Bispo

Formada em Relações Internacionais e tem especialização em Políticas Públicas e Projetos Sociais. É podcaster do “O Historiante”, colunista do “Zero Águia” e integrante do Projeto Líbertas onde trabalha com Direitos Humanos. Instagram: @uma_internacionalista

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


Golpista do Tinder RJ: ‘Golpista do Tinder do RJ’ é preso acusado de estelionato (msn.com) – acessado em 30 mai.2022



Documentário Golpista do Tinder – Netflix - assistido em 18 fev.2022


SARTRE, J. P. O ser e o nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica. 20. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.


Psicóloga consultada Luciana Zanete - @luciana_zanette_psicologa



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