top of page

Histórias de Refúgio: El Salvador

Atualizado: 1 de set. de 2022

Em mais um episódio da série Histórias de Refúgio, iremos hoje apresentar o relato de um cidadão salvadorenho que fugiu de seu país após ter o irmão assassinado e correr risco de vida, ameaçado por facções criminosas.


“Meu irmão foi assassinado em 24 de dezembro de 2014 . Ele não tinha relação com ninguém da pandilla, era estudante de medicina e judoca. Viajava sempre para Guatemala e Honduras para representar nosso país lutando, e também tocava em uma banda de rock.” Assim Jonas (nome fictício) inicia o relato, falando sobre seu irmão assassinado por integrantes dos 18, a pandilla (nome em espanhol para gangues, como são conhecidas as facções criminosas de El Salvador) predominante no bairro onde ele e sua família viviam.


As pandillas de El Salvador


As pandillas MS-13 (Mara Salvatrucha 13) e Barrio 18 são as gangues mais perigosas do mundo, que nasceram através de refugiados de El Salvador em Los Angeles, Estados Unidos, com homens que eram dissidentes da guerra civil que acontecia no país. Essas gangues são como uma religião para os seus integrantes, que juram lealdade eterna e fazer tatuagens com seus símbolos em seu corpo, inclusive no rosto.

Essas pandillas recrutam homens e mulheres, normalmente menores de idade, em cuja casa não existe uma família protetora: são crianças e adolescentes que os pais usam drogas, são relapsos, violentos, ou já fazem parte da gangue.

“É incrível, mas as mulheres lá se atraem por pandilleros (membros das gangues)", diz Jonas impressionado, pois sempre viu as mulheres de seu país muitas vezes se relacionarem com os membros por vontade própria. Outras eram obrigadas.

As mulheres têm um papel importante nessas gangues: são elas que muitas vezes atraem novos membros para o bando ou atraem também as vítimas para as ciladas armadas.

A MS-13 e os 18 são pandillas rivais, então sempre que há confronto entre eles, há morte. Muitas vezes há morte de civis, que não tinham nada a ver com os membros da gangue ou pessoas que foram obrigadas a fazer algo por eles, pois não tinham escolha.


Pandilla e mara significam basicamente a mesma coisa, mas os 18 não gostam de ser chamados de mara ou mesmo de falar essa palavra, devido ao nome da gangue de seus rivais. Eles substituem a palavra mara por “mierda”, assim por exemplo, não falam “maravilha” e sim “mierdavilla” - mistura da palavra mierda (merda em espanhol) com maravilla (maravilha em espanhol).”, diz Jonas sobre tamanha rivalidade.


El Salvador é um país com uma população de menos de 7 milhões de pessoas e um território de 21.000km², o que facilitou ser controlado por gangues. Praticamente todos os dias acontecem conflitos de facções por território.


A história de Jonas


Jonas nasceu e foi criado em El Salvador, na América Central. Ele vivia na maior área urbana do país, a qual ficará em sigilo por sua segurança e de sua família que ainda está lá. Nessa região, predomina a pandilla Los 18, na qual geralmente menores de idade sentem-se atraídos para entrar.

Jonas diz que os jovens veem vantagem de participar de uma gangue pois são muito negligenciados pela família, e veem na gangue uma proteção, abrigo, afeto e outras coisas que lhes faltam; a pandilla assume o papel que seria da família. “Não entendo (a vontade de entrar na gangue) porque na maioria dos casos essa vida leva os jovens ao hospital ou ao cemitério.” diz Jonas, incrédulo.

Mas iremos voltar para dezembro de 2014, quando houve assassinato do irmão de Jonas. O rapaz saiu da casa de sua mãe depois da meia noite, para cumprimentar uns amigos, já que era Natal, e em El Salvador há o costume de, depois da meia noite, ir até amigos e outras pessoas no bairro para desejar boas festas. Poucos momentos que saiu da casa, o irmão de Jonas foi assassinado a tiros, a uns 200 metros do local onde estava. O salvadorenho diz que muitas mortes acontecem em dias festivos, já que os fogos de artifício disfarçam o barulho dos tiros. Jonas encontrou seu irmão estirado no chão com 9 tiros.


Ele e sua esposa estavam passando pelo local de moto quando encontraram o corpo, tinham saído da casa da mãe e estavam voltando para casa, quando Nila (nome fictício) avistou um homem dormindo no chão. Quando chegaram mais perto para ver se estava tudo bem, se depararam com o jovem. Num momento de desespero, os dois deram meia-volta e foram avisar a mãe que ela tinha perdido seu filho. Jonas acha que esse evento tem algo a ver com um pedido de um pandillero, há anos atrás. “Um membro da pandilla pediu a meu irmão que passasse uma televisão, que estava na casa de um outro pandillero, para a rua. A casa de meu irmão era entre essa casa e a rua. Acredito que esse ato terminou nessa desgraça, mas o que ele poderia fazer? Não se nega um pedido a um pandillero.”


Nem a polícia nem ninguém da gangue entrou em contato com eles após a morte de seu irmão. Normalmente a polícia não se mete quando o assunto é morte por gangue, então a população fica à mercê da sorte. No ano de 2017 a família teve outra desagradável surpresa.

Jonas vivia com a esposa Nila, seu cunhado e a esposa. Sua sogra, que vive nos Estados Unidos, sempre os ajudava mandando remessas (como eles falam os envios de dinheiro e objetos importantes como roupas, sapatos, etc que chegam do país), então eles estavam bem, apesar da situação de seu país.


Um dia, um menino menor de idade chegou em sua casa com um telefone na mão e, como ele não estava, quem o atendeu foi sua esposa. O pandillero, do outro lado da linha, disse que sabia tudo sobre a família, onde viviam, trabalhavam e que, para manter todos vivos, pediu uma determinada quantia em dólares, assim respeitaria a vida daquela família. “Esse dinheiro pode ser pedido uma vez ou quando a pandilla necessitar, nunca sabemos.”, diz o homem lembrando do fatídico dia. Os salvadorenhos já sabem que, quando chega um adolescente com um telefone na mão, é algum pedido das gangues.


No dia seguinte a essa ligação, Jonas renunciou ao seu trabalho, buscou passagens de avião e viu que a Costa Rica era um lugar mais seguro para viver. O casal então decidiu fugir, pegaram o que podiam (inclusive o cachorrinho da família) e saíram do país. Hoje, a casa que viviam está abandonada, ninguém mais vive lá, seu cunhado e a esposa foram para outra parte, para a própria segurança.


Quando chegaram na Costa Rica, tiveram a ajuda de um casal salvadorenho que tinha passado pela mesma coisa que eles em seu país de origem, e assim buscaram a Hias Costa Rica, uma organização sem fins lucrativos que atua junto a ACNUR (Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Refugiados); é a organização mais antiga do mundo para a proteção e reassentamento de pessoas refugiadas.


Jonas e Nila buscaram amparo judicial na Hias Costa Rica, entraram em contato com a Migração do país e solicitaram refúgio. A Hias dá apoio legal mas não dá apoio econômico, então a primeira coisa que fizeram foi buscar trabalho, já que seu visto de refugiado dura somente 3 meses. A amiga do casal trabalhava como doméstica em um casa de pessoas que trabalhavam em call center, então recomendou ao patrão o seu amigo Jonas, que então teve a sorte de conseguir um emprego mesmo sem seu visto de trabalho. “É um círculo, já que para trabalhar preciso do visto de trabalho, mas para solicitar o visto de trabalho, preciso de uma empresa interessada no meu trabalho e assim solicitar o visto junto à Migração, ou seja, é algo difícil.”, alega o refugiado.

“Foi um choque cultural quando subi no ônibus e vi as pessoas usando o celular normalmente. Lá no meu país as pessoas não usam o telefone assim no ônibus pois podem ser roubadas.”

Jonas e sua esposa ainda tem problemas em relação ao refúgio, já que tentaram por duas vezes entrar com recursos para obter o visto. A Costa Rica alega que dá refúgio às pessoas que têm problemas em relação à religião, sexo, política, mas que problemas com gangues é algo interno e o país não pode ajudar.


O casal está com seu visto negado mas, devido a pandemia, o processo tornou-se mais moroso e aparentemente esquecido, ao menos pela empresa na qual trabalha. “Todos os anos o departamento de Recursos Humanos da empresa me contatava para verificar o status do meu visto, e parece que esqueceram. Esperamos que continue assim porque não queremos voltar para El Salvador.” Eu lhe pergunto o que acontece em caso de sua empresa contatá-lo para verificar esse status, ele responde que não quer voltar, não tem saudades, e que tentaria seu visto de refúgio no Panamá.


A situação atual de El Salvador

Nayib Bukele, presidente em exercício de El Salvador.

O atual presidente, Nayib Bukele, tem travado uma luta contra as gangues, inclusive prendendo ex-membros das gangues, pessoas que têm tatuagens que remetem ao crime, entre outros. “Ninguém antes tinha feito isso, ele desenvolveu uma lei que já prendeu mais de 11 mil membros e ex-membros das gangues.”


Também há pessoas que se libertam do mundo das gangues através da igreja, já que esse é o único meio seguro para sair das gangues. Mas mesmo assim, de acordo com Jonas, quem sai da gangue por causa da igreja, corre o risco de ser convocado, em caso da pandilla precisar de seus ex-membros.


As gangues sempre dominaram El Salvador pois antigamente tinham apoio dos governantes. Muitos deputados falavam com os líderes das pandillas e, se eles conseguissem votos em suas comunidades, os políticos davam festas luxuosas aos homens, com prostitutas e videogames, independente dos pandilleros estarem na cadeia ou fora dela. “As pandillas tomaram conta do país por causa do seu vínculo com a política,”, diz Jonas.


NOTA: O jornalista Christian Poveda, que fez o documentário La Vida Loca (o qual me auxiliou na materialização desse artigo) sobre as pandillas de El Salvador, foi assassinado em setembro de 2009. Acredita-se que ele viu e documentou coisas demais sobre os 18.

Texto por Caroline Prado

Formada em Relações Internacionais, estudante de Filologia Românica e Línguas Latinas. Vive na Costa Rica e tem um projeto social onde ajuda pessoas em comunidades em situação de risco.

 

Fontes:















bottom of page