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O maior desafio da educação brasileira é Educar

É direito de todo brasileiro o acesso a educação. É lei, está na constituição de 1988. Porém, a educação, no cerne do seu significado, de formar cidadãos independentes, pensantes e críticos, tem sido um dos maiores desafios da sociedade brasileira.

Imagem mostrando um livro com a bandeira do brasil e o contorno do território brasileiro sobrepondo o livro.

Após governos progressistas, onde a educação brasileira foi referência mundial por possuir programas de acesso de minorias e trocas acadêmicas como o "Ciência sem fronteiras", acesso à universidade através de cotas e a obrigatoriedade da educação básica para crianças entre 4 e 17 anos (2009), a partir do golpe de 2016, o país voltou a viver sob o obscurantismo decorrente do conservadorismo.


É visível aos olhos de todos o desmonte da educação pública e a elitização do ensino através dos cortes financeiros. Mas o projeto vai além, o ódio ao acesso à educação e ao conhecimento ficam cada vez mais claros com o discurso feito pelo atual governo fascista e seus apoiadores.


O sociólogo e professor universitário, Jessé de Souza, em seu livro Como o racismo criou o Brasil (2021), exemplifica a sociedade em uma corrida de obstáculos, onde os mais abastados começam a vida a frente, devido a seus privilégios vindos de berço, e os desafortunados começam muito atrás, sem recursos e, muitas das vezes com acesso restrito a serviços básicos, entre eles a educação.


A educação básica e o lobo em pele cordeiro na proteção da inocência


Usando a metáfora do autor para essa área, o diferenciamento social no início da jornada formativa nunca foi tão escancarado como durante a pandemia de COVID-19, onde crianças das classes mais altas tinham aulas e acompanhamento remoto. Já as crianças pobres, em sua maioria, não tinham acesso a um aparelho eletrônico ou a um simples celular e, quando tinham, muitas das vezes, dependiam de pacotes de dados de operadoras que pouco sustentavam o acesso à internet.


Vale relembrar que, embora a educação básica tenha como responsáveis os estados e municípios, nada foi feito pelo Governo Federal a fim de auxiliar essas gestões no desafio de manter as crianças mais pobres com acesso à educação. O resultado disso é claro ao evidenciar que entre as classes mais baixas estão os maiores índices de atraso no desenvolvimento de crianças e os altos números de evasão escolar, o que culminou em uma quantidade inferior de estudantes no retorno às salas de aula. Muitas dessas crianças e jovens evadidos se viram na obrigação de adentrar ao mercado de trabalho, boa parte o mercado informal, a fim de auxiliar suas famílias financeiramente.

criança vendendo doces no semáforo.

De acordo com levantamento realizado pela organização Todos pela educação, em dezembro de 2021 haviam 244 mil crianças fora da escola, enquanto em 2019 o número era de 90 mil. O atual Governo, desde então, nada fez para trazer essas crianças de volta para as salas de aula.


Ainda durante a pandemia de COVID - 19, alguns pais apoiadores do governo atual, de extrema direita, tiveram a oportunidade de ter um leve vislumbre do que poderia ser uma das maiores promessas de governo, o Homeschooling. Essa promessa de campanha de Bolsonaro tinha como proposta dar liberdade aos pais em optar por educar seus filhos em casas. A proposta desse projeto vai totalmente contra a Emenda Constitucional Nº 59, de 2009, já mencionada neste artigo, onde há a obrigatoriedade da criança entre 4 a 17 anos estar na escola. Além de ser um meio impulsionador para o aumento de desigualdade social, o projeto falsamente sinaliza atender as regras da BNCC, ausenta a criança do necessário acompanhamento metodológico e pedagógico, onde profissionais gabaritados possam promover o desenvolvimento sustentável da criança, dando aos pais, o total domínio e liberdade sobre a formação da criança, abrindo portas para problemas como revisionismo histórico, e diminuindo a socialização da criança, algo fundamental nesta fase, além de ampliar a chance de violência doméstica e abusos sexuais.


O revisionismo histórico, muitas das vezes utilizado em discursos pela extrema direita e por adoradores do obscurantismo, tem como foco principal desmoralizar o método do estudo e análise histórica, feita por profissionais gabaritados. Esses estudos são trazidos para a sala de aula a fim de serem entendidos de maneira laica e comprovada, provocando o raciocínio e desenvolvimento do senso crítico da criança e adolescente, algo abominado por Governos conservadores.

Quando há socialização e o convívio com diferentes formas de pensar que é criado o ambiente saudável da diversidade, do diálogo e do debate. É a partir daí que o diferente é humanizado e não há melhor lugar para isso do que na escola. É ali que serão criados os primeiros laços fora do núcleo familiar e que a criança irá romper algumas barreiras para o seu desenvolvimento. O convívio e a descoberta do diferente rompe preconceitos e apresenta a pluralidade desde os primeiros anos de vida. Projetos defendidos pelo Governo, como o homeschooling e as escolas cívicas, colocam em risco a socialização e o contato com a diversidade, trazendo prejuízo e ameaça para as gerações em formação.


Além da ameaça à diversidade no pensar e existir, esses projetos ameaçam também outras áreas do desenvolvimento social da criança e adolescente. É através do devido acompanhamento pedagógico e a criação de laços entre aluno e profissionais da educação, que crianças e adolescentes tomam conhecimento e identificam o abuso físico, emocional e também sexual que eles e outros familiares sofrem. É através do devido acompanhamento de profissionais da educação que é criado um ambiente seguro, para que haja denúncia e investigação dos abusadores.


O Ensino Médio - Pensar menos, trabalhar mais


Foi no Governo golpista de Michel Temer, em 2017, que foi aprovada a reforma do Ensino Médio, alterando a LDB (Lei de Diretrizes e Bases). Porém a mesma tem sido implementada no Governo de Jair Bolsonaro. O que deveriam ser anos de preparo para que cada vez mais jovens saísse dessa etapa e fossem para os bancos universitários, tem se tornado anos de preparo para produzir mão de obra barata e não pensante.


Antes da alteração da LDB, o estudante do Ensino Médio teria em seu currículo escolar disciplinas obrigatórias voltadas para a sua formação pensante cursando, mesmo em carga horária mínima, disciplinas de História, Geografia, Filosofia e Sociologia, provocando ao mínimo o pensamento sobre a sociedade. Já no novo formato, a obrigatoriedade curricular fica apenas para disciplinas de português e matemática, tornando flexíveis e optativas as demais disciplinas.

O discurso do Governo apela para que a formação curricular fique a critério do aluno e da família, que, em muitos dos casos, não possuí instrução para orientação. Além disso, a publicidade empregada pelo governo imputa ao estudante a ideia de que agora ele pode sair desta etapa capacitado e apto para o mercado de trabalho e não para a cadeira acadêmica.


Embora ainda não seja possível mensurar o estrago feito pelo Novo Ensino Médio, já são visíveis alguns sinais do estrago feito pelo Governo Bolsonaro à educação do Ensino Médio. O ENEM, Exame Nacional do Ensino Médio, é um dos principais meios de acesso utilizado por egressos do Ensino Médio e candidatos à uma vaga no Ensino superior. A prova tem por características avaliar o senso crítico e o conhecimento social do avaliado, critérios não aprovados pelo Presidente. Segundo Bolsonaro, a prova induz o candidato a pensamentos ideológicos. Por isso, Bolsonaro utilizou discursos como o de ter acesso à avaliação antes da aplicação, a fim de aprovar ou não o conteúdo preparado por especialistas e profissionais do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), colocando em cheque a competência do órgão e seus profissionais de cadeira. A pressão e desconfiança imposta pelo Governo causou, em 2021, o pedido de demissão de mais de 30 servidores do Instituto a dias da realização do Exame.


Além das pressões institucionais, o pouco investimento durante a pandemia, os escândalos causados pelos Ministros da Educação e retirada da isenção da inscrição do Exame para os mais pobres refletiram em 2021, em um ENEM mais branco, com menor número de pobres e com menos inscritos nos últimos dez anos.


Ódio aos professores e o Ensino superior contra a parede


Há uma máxima que diz que todo filme de catástrofe natural tem como início cientistas sendo ignorados por governantes ao anunciar a possibilidade do apocalipse. Isso pôde ser assistido ao vivo e a cores durante toda a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro, quando o mesmo insiste em desmentir estudos nacionais e internacionais sobre o desmatamento na Amazônia, as queimas no cerrado e continua a desacreditar a crise climática.


Porém o descrédito à ciência provocado pelo Presidente foi sentido e vivido durante a pandemia de COVID 19, que até agora ceifou mais de 650 mil vidas. Além disso, o incentivo ao uso de medicamentes comprovadamente ineficazes para o tratamento e o descaso com as medidas de prevenção indicadas por cientistas.


Em seguida, com o desenvolvimento das primeiras vacinas, Bolsonaro desacreditou as mesmas, todas com eficácia cientificamente comprovadas. Resultado disso, os celeiros eleitorais bolsonaristas foram os que menos se vacinaram e que tiveram o maior número de mortes.


Além disso, os discursos do Ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre não haver recursos em caixa para manutenção de auxílios emergenciais, viu na já curta verba da educação um caminho para isso, fazendo vistas grossas a outros possíveis meios para o auxílio.


O Governo que prega ter feito as escolhas dos seus Ministros por critérios técnicos, aparentemente tem tido dificuldade nas escolhas técnicas para a área da educação. Em quatro anos de Governo, cinco nomes ocuparam a pasta e nenhum deles contribuiu positivamente com um dos principais ministérios do país.


Desde referências nazistas a privilégios religiosos, todos os nomes pregaram ódio à Educação e aos professores. Discursos falsos, tais como o de que aconteciam orgias nos corredores das universidades públicas e que havia uma pregação feita por docentes ao tal "marxismo cultural" serviram para produzir uma cortina de fumaça para incentivo e fortalecimento da educação privada enlatada, dominada por grandes conglomerados, que busca a formação técnica para o mercado de trabalho e não na formação de novos pensadores, pesquisadores e cientistas.


Porém, foi graças a pesquisadores, cientistas, à universidade pública e institutos públicos de pesquisa como a FIOCRUZ e o Instituto Butantã, que foram desenvolvidas as primeiras vacinas contra a COVID-19 no país, mesmo com o Governo Federal criando barreiras para isso.


São inúmeros os golpes ao Ensino Superior, como os cortes de verbas cada vez maiores, impedindo pesquisas e estudos que são extremamente importantes para a sociedade brasileira. Além das tentativas e ameaças da privatização do Ensino Superior público, o que causaria ainda mais dificuldade de acesso de pessoas de baixa renda à educação superior.


Educação como resistência


A educação foi, é e sempre será a forma de resistência e força motora do progressismo e é por isso que ela é tão atacada por governos fascistas, como o atual. Logo é claro e evidente que o problema na educação não é apenas financeiro. É algo planejado. Os ataques, discursos de ódio e o descaso com a educação escancaram o desejo de desmonte, a fim de reduzir cada vez mais o número de pessoas conscientes, politizadas e críticas, lançando mão do direito de ser Educada, com E maiúsculo, como consta na Constituição de 1988. O plano é criar cada vez mais mão de obra operária e acrítica, para execução de projetos fascistas e elitistas.


Porém a Educação resiste, assim como resistiu em outros períodos de obscurantismo e sempre será o farol norteador em busca do progresso e conhecimento.



Texto escrito por Felipe Bonsanto

Formado em Administração de empresas, pós-graduação em marketing e apaixonado por Los Hermanos. É militante pelos direitos LGBTQIAP+, trabalha com educação há oito anos, atua como co-host no podcast O Historiante e é colunista do Zero Águia.

 

Fontes:









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