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Poderes do Estado: representatividade e equilíbrio de força

Atualizado: 23 de abr. de 2023

Este artigo pertence ao "Dossiê: Funcionamento do Estado brasileiro" - Artigo 2


No artigo anterior falamos sobre a nossa jovem República e explicamos de modo breve o porquê é importante entendermos nosso país como uma federação, e o que isso impacta no modo como os entes federativos podem se organizar de modo; regional, local e nacional.


Hoje, o desafio é falar sobre os três poderes e como eles são responsáveis pelo funcionamento do Estado brasileiro, por isso focaremos em falar deles em nível nacional. Estabelece nossa Constituição Federal de 1988 em seu art. 2º que: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. E estes mesmos poderes que ganharam as manchetes de vários jornais nacionais (e internacionais) nos últimos tempos por constantes "quedas de braço" o que muitos considerou nociva para o país, mas que vai ao encontro do porquê de cada um deles existir.


A separação dos 3 poderes


A separação dos 3 poderes faz parte da corrente Tripartite de um governo e Aristóteles já citava esta divisão na sua ilustre obra "A Política". Os poderes de um Estado divide-se em:

  • Executivo - função administrativa de gestão do Estado, estados e municípios.

  • Legislativo - elabora as leis de um Estado, estado e municípios.

  • Judiciário - aplica as leis, é o defensor e guardião da Carta Magna e de todo o ordenamento jurídico do Estado.


Cada poder deve seguir as diretrizes do que lhe compete, essa "divisão" foi idealizada para garantir que nenhum poder se exceda ao outro, e que haja um equilíbrio entre eles, mas não foi bem o que vimos no Brasil nos últimos tempos e é algo sintomático.


O equilíbrio dos poderes para garantir que não haja excesso


Nascido na França em 1689, Charles-Louis de Secondat, o barão de La Brède e de Montesquieu, popularmente conhecido somente como Montesquieu, foi um político, filósofo e escritor que ganhou notoriedade justamente pela sua teoria da separação dos poderes, atualmente consagrada em muitas das modernas constituições internacionais, inclusive a nossa, a Constituição Federal de 1988.


Montesquieu (França - 1689-1755)

Importante pensador do modelo tripartite, Montesquieu não apenas defendia que cada um deles tivesse suas delimitações, como justificava que poderiam assim se equilibrar e evitar excessos que é inerente ao poder e que a divisão garantiria a saúde de um Estado.


Desde a retomada do modelo democrático no Brasil nenhum Presidente da República, representante maior do Executivo nacional, entrou em inúmeras "queda de braço" com os outros poderes como Jair Messias Bolsonaro, eleito em 2018.


Bolsonaro não apenas desafiou os demais poderes inúmeras vezes como em diversas oportunidades questionou a isonomia, integridade e idoneidade deles, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, órgão de representação máxima do Judiciário.


Os ataques ao STF são constantes por parte de Bolsonaro:

“(...) deveria estar respondendo processo lá no inquérito do Alexandre de Moraes (ministro do STF), se fosse um inquérito sério e não essa mentira, essa enganação que são esses inquéritos do Alexandre de Moraes”.
“No ano passado o Congresso ia aprovar o voto impresso numa PEC. O que o Barroso fez? Ele era presidente do TSE (...) É uma interferência política, isso é um crime previsto na Constituição. O Barroso (ministro do STF) é um criminoso. Barroso, tu é um mentiroso, um mentiroso”
“Fachin (ministro do STF) ajudou a ser elegível um bandido”
“Não tenho apoio de alguns ministros do STF, pelo contrário, agem de forma ativa para dar mais moral para os criminosos”

O Supremo Tribunal Federal(STF) é composto por 11 magistrados e a indicação é realizada pelo chefe do Executivo, o Presidente da República, onde o indicado (ou indicada) deve passar por uma sabatina das duas casas do Congresso Federal, ou seja, a casa do Legislativo. Isso quer dizer que, o Poder Judiciário passa por uma aprovação de seus representantes pelos outros poderes.


Supremo Tribunal Federal (STF)

Do mesmo modo, o Presidente da República só pode ser impedido do seu mandato (com um processo de impeachment) com a aprovação do Câmara dos Deputados e dos Senadores e com a devida apuração do STF deste processo. Por sua vez, durante cumprimento dos seus mandatos, os representantes do Legislativo e Executivo só poderão ser julgados pelo STF. Isso quer dizer que há entre os poderes uma correlação de dependência.


Crise institucional: a descredibilidade mancha imagem dos 3 poderes há anos


Um lamentável episódio da nossa história recente e que colocou em xeque a idoneidade dos poderes foi o espetáculo organizado pelos veículos de imprensa com o processo de impedimento da ex-presidenta Dilma Rousseff. O episódio seria apenas o prenúncio dos tristes capítulos que esta República presenciaria dali em diante e com desdobramentos inimagináveis.


O processo foi marcado em uma espécie de "caça às bruxas" ao Partido dos Trabalhadores (PT), além de um show de horrores durante a votação nas Câmara dos Deputados, que contou com votos homenageando a família, aos apoiadores e até mesmo o Coronel Brilhante Ustra, reconhecidamente como um cruel torturador durante os anos de chumbo na ditadura militar (1964-1985), trazido a lembrança pelo então, na época, deputado federal Jair Bolsonaro, o que não surpreende a ninguém que Jair Bolsonaro tem certa tara pelo coturno e flerta abertamente com o autoritarismo.


Outro fato marcante desse triste episódio foi a enigmática frase de Romero Jucá sobre o famoso "acordão" entre os poderes. Jucá chegou a mencionar um acordo "com Supremo, com tudo", fazendo uma alusão ao envolvimento do então presidente da Câmara Eduardo Cunha, o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros e o STF para "estancar a sangria" e impedir a ex-presidenta Dilma Rousseff.


O desconhecimento facilita a falta de fiscalização dos poderes


Se por um lado a divisão dos poderes norteia a organização do Estado, um estudo realizado pela QUAEST, neste ano, revelou que mais de 70% da população brasileira não sabe o que significa a sigla STF, e que 22% nunca ouviram falar na Corte.

Charge (Reprdodução: Blog do AFTM)

Outro dado preocupante é que mais de 80% das pessoas não escolheram e nem sabem em quem votarão para os cargos do Legislativo (deputados federais e senadores). E ainda há outros 9% que pretendem deixar de votar (soma de nulo, branco e abstenção). O desinteresse do eleitor é justificado pelo índice de reprovação ao trabalho do Congresso Nacional, medido em mais de 60% das duas casas. Para senador, o índice de reprovação chega a alarmantes 63%; o dado é maior para deputado federal, chegando a 66%. No geral os políticos são reprovados por 73%.


Essa crise institucional que o Brasil vive é sintomática de algo que vai além de descrença nos poderes e conhecimento do que cada um deles é responsável, falta aos brasileiros algo que há muito tem se falado: a falta de representatividade.


A diversidade como base da Democracia


A Constituição diz que somos todos iguais em nossos direitos e deveres. Porém, somos um povo diverso e desigual, governados por um determinado padrão que não representa o povo como um todo.



Embora a democracia signifique o governo do povo, feito pelo povo e para o povo, segundo análise dos dados do TSE, nas eleições de 2018, a realidade não tem sido bem assim.


O padrão político que assumiu uma cadeira no legislativo em 2018 ainda é o mesmo das eleições anteriores sendo de: um homem branco, hétero e com formação superior. O que é bem contrastante do perfil da população brasileira, que é composta na maioria de negros, 56%, e mulheres, em torno de 51% da população, além de diversas populações LGBTQIAP+ e a população indígena, por exemplo, que não são representadas.


Esse perfil governante não atende a diversidade necessária para que se governe para todos. Ele busca manter o poder em suas mãos, para que não haja a possibilidade de debate e que as leis e sua execução sejam a seu favor, distanciando os diversos, causando descaso e descrédito na política por sua parte.


A ausência de diversidade popular no governo é perigosa e é uma importante ferramenta no fomento a desigualdade e combustível para governos autoritários. O voto consciente em candidatos para as casas legislativas estaduais e federais tem um grande poder na busca da diversidade e representatividade do povo.

A ausência de diversidade e a política para poucos


Com mais de 50 mil votos nas eleições municipais de 2020, Erika Hilton foi a vereadora mais votada do Brasil. Um contraste no perfil mostrado anteriormente, ela representa outras minorias, sendo uma mulher trans e preta.


No pleito ao congresso nacional deste ano, Érika concorre ao cargo de Deputada Federal pela primeira vez. A sua candidatura se soma a outras 213 da população LGBTQIAP+, o que representa aumento de 36% no número de candidaturas desse público em relação ao pleito nacional de 2018.


Essas candidaturas falam de uma população marginalizada, que durante muitos anos não teve representantes e, por consequência, foi deixada de lado ao longo das discussões políticas desde antes da redemocratização de 1985.


Alguns dos principais direitos adquiridos por essa população foram conquistas via STF, como a criminalização à homofobia apenas em 2019, após pressão de associações e movimentos populares devido o aumento significativo de violência contra essa população após a eleição do representante de extrema direita a Presidência da República.


A necessidade da diversidade nas casas legislativas, seja ela municipal, estadual ou nacional, é extremamente necessária. Em um ambiente onde o povo é representado de maneira genuína, a diversidade assegura seus direitos e reafirma a teoria dos freios e contrapesos da democracia.


A mulher sai de casa e toma o poder


Os primeiros nomes a lutar por direitos iguais nas casas legislativas, foram os de Carlota Pereira de Queiros e Bertha Lutz, na década de 1930. Mesmo em dissonância em alguns pontos, as duas primeiras mulheres a assumirem cadeiras na câmara dos deputados foram responsáveis por conquistas femininas àquela época.



Embora a presença feminina na política se registre desde a participação de Carlota e Bertha há 9 décadas, em pleno 2022 essa presença nas casas legislativas ainda é baixa. Das mais de 10 mil inscrições em busca de uma vaga no congresso, em torno de 3500 são mulheres. Crescimento de 28% do total em relação ao pleito de 2018.


Negros: maioria na população, minoria das casas


Embora seja maioria na população brasileira de acordo com o IBGE, a população negra ainda é minoria das nas casas legislativas. Para o atual período eleitoral, a população negra representa menos de 15% das inscrições registradas no TSE, em comparação com o período de 2018, era menos de 12%.


Embora haja crescimento no número de candidatura representando mulheres, negros e LGBTs, houve aumento também no número de milionários concorrendo a cargos legislativos.

Maior diversidade, menor desigualdade


O Congresso Nacional é a casa do povo, sendo assim, é necessário que seja tomado por figuras que não só representem a diversidade, mas que lutem e dê voz a ela. É a partir disso que são trazidas vivências e realidades que, em muitos casos, são desconhecidos pela população dominante. A partir do momento em que esses debates são trazidos a casa do povo, podem ser propostas políticas públicas de inclusão social, saúde, educação e acesso a serviços, antes não imaginados.


O papel desses legisladores é de se posicionar a favor das minorias e apresentar ao executivo e judiciário propostas para atender as necessidades dessas populações, muitas das vezes marginalizadas, dando dignidade e possibilidade de sobrevivência. Outra função deles é criarem projetos que sejam ferramentas de reparação histórica e que dêem condição de ascensão social. Um exemplo disso foram as cotas universitárias implementadas pelo Governo Lula (2002 - 2009), para pessoas negras e pobres, que muitas das vezes não tinham condições de acessarem o Ensino Superior.


Em um governo de extrema direita, como o atual, as ferramentas de acesso das minorias são fundamentais para que funcionem os freios e contrapesos da democracia. Foi isso que deu a possibilidade da minoria solicitar a implantação da Comissão Parlamentar de Inquérito, a CPI, da COVID - 19, que investigou a inércia de tomada de decisão do Governo Federal no combate a pandemia.


Diversidade não quer dizer representatividade


Embora tenha ocorrido o aumento na participação de LGBTs, mulheres e negros na política, isso não quer dizer necessariamente que haja representatividade e preocupação com pautas que atendam aos vulneráveis dessa população.


Exemplo disso é o senhor Sérgio Camargo, homem preto, que assumiu a Fundação Palmares, entre 2019 e 2022. Sérgio, que foi chamado pelo Presidente da República de "homem preto de alma branca", fez mais desserviço do que ajudou a população preta. Em uma de suas falas, ousou dizer que "não existe racismo no Brasil", desrespeitando a população e a Fundação que luta contra o racismo estrutural e busca conservar a cultura e povo negro, levando o nome de um dos maiores revolucionários contra a escravidão, Zumbi dos Palmares.


A importância do envolvimento político da sociedade


Muito se ouve da população que não se deve discutir política, porém isso se faz cada vez mais necessário. Ser governado por um determinado padrão dominante, que discute leis para seu próprio favorecimento, aumenta a desigualdade e desune. Ao olhar para o Congresso Nacional, a casa do povo e ver determinado perfil de governantes não representando minorias oprimidas, observa-se que isso abre oportunidade ao autoritarismo, à misoginia, sexismo e homofobia.


A consciência social e a busca por candidatos responsáveis com pautas minoritárias é um importante contrapeso em uma possível reeleição de um governante autoritário e de extrema direita. É através dos então candidatos escolhidos para as casas legislativas estadual e federal, ao se tornarem eleitos, se tornarem responsáveis pela aplicação das propostas feitas em campanha em busca da diminuição da desigualdade e maior representatividade na casa do povo.


Texto escrito por Katiane Bispo e Felipe Bonsanto


Katiane é formada em Relações Internacionais, especialista em Políticas Públicas e Projetos Sociais. É podcaster no “O Historiante”, colunista no jornal “Zero Aguia” e integrante do “Projeto Líbertas”. Para contato: Instagram: @uma_internacionalista.


Felipe é formado em Administração de empresas, pós-graduação em marketing e apaixonado por Los Hermanos. É militante pelos direitos LGBTQIAP+, trabalha com educação há oito anos, atua como co-host no podcast O Historiante e é colunista do Zero Águia.

 

Fontes










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