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Stonewall: O orgulho de uma revolta

Atualizado: 1 de set. de 2022

Até o começo da década de 1960, ser membro da comunidade LGBTQIAP+ em Nova York era proibido. Demonstrações de afeto entre pessoas do mesmo sexo era considerado ato fora da lei. Para que pudessem se expressar e viver, a população LGBTQIAP+ frequentava bares fechados e era uma comunidade que estava a margem da sociedade, que vivia entre becos e vielas de Nova York na década de 60.


Stonewall Inn em 2012.
Stonewall Inn em 2012.

Era esse o público que frequentava o lendário bar de Stonewall Inn. Um dos rostos mais conhecidos era o de Marsha, mulher trans, que era frequentadora assídua do bar. Assídua porque ali era o ponto de encontro de gays, lésbicas, travestis e pessoas trans daquela época.


A comunidade que frequentava aquele e outros bares da região não estavam de acordo com o padrão American Way of life, eram considerados transgressores de uma sociedade formatada e rotulada. Por isso, eram alvos de constantes ataques da sociedade tradicional e também batidas policiais, que buscavam levar "a ordem" aos espaços transgressores.


Era sob esse cenário de ataques que Marsha seus amigos e outros frequentadores viviam naquela época, e foram esses ataques que culminaram na lendária noite do dia 28 de junho de 1969.


Há muitas lendas e histórias sobre essa noite. Porém é fato e sabido que, após consecutivas noites de violentas batidas policiais, naquele 28 de Junho, Marsha e seus colegas se juntaram e deram início à revolta e aos protestos de Stonewall. As reações do dia 28 se estendeu e deu início à novos protestos que se alongaram durante quase uma semana, a comunidade enfrentando bravamente a violência e agressão policial.


É fato que aquela noite foi o marco de libertação da população LGBT. Marco de resistência, luta e de orgulho. Orgulho de ser o que se é!


Um ano após o acontecimento foi realizada uma marcha com pessoas LGBTQIAP+ saindo do bar Stonewall Inn em direção ao Central Park em Nova York, sendo considerada a primeira parada LGBTQIAP+ da história.



Lutas, organização e busca por direitos

Embora seja o marco inicial de resistência, em vários lugares já haviam alguns pequenos grupos dessa população se organizando em movimentos, buscando um lugar ao sol e acesso a direitos.


Vale lembrar que na década de 1980 a população LGBTQIAP+ foi brutalmente afetada pelo vírus HIV e uma das mais atacadas como causadora e disseminadora do vírus, porém as pessoas que os atacavam convenientemente esqueciam que homens casados e de família tradicional buscavam no "sigilo" pessoas trans e gays para diversão, e ao se contaminarem, transmitiam o vírus para suas outras parceiras sexuais, no caso suas esposas.


No Brasil, na década 1970, o movimento LGBTQIAP+ também começou a se organizar. Em meio aos anos de chumbo, há registros de pequenas movimentações e reuniões, em busca de apoio e organização. Também nessa época, alguns jornalistas gays fizeram circular as primeiras edições do Lampião da esquina, jornal impresso voltado para essa população, que brincava com masculinidade impressa na imagem de Lampião e o local de trabalho de garotas de programa.


Porém, a ditadura militar também tentou acabar com essa população que infringia a moral e os bons costumes "garantidos" pelos militares. Departamentos e delegacias foram criados, a fim de impedir que gays, travestis e mulheres trans fossem vistos a luz do dia. De acordo com estudos feitos pelo professor e doutor Renan Quinalha, espaços como a Praça da República em São Paulo e a galeria Alaska, no Rio de Janeiro, eram pontos de encontro, diversão e trabalho dessa comunidade, mas também foco de frequentes batidas e violência policial.


Mesmo com o fim da ditadura militar, no Brasil, o país do carnaval e do samba, a homofobia se faz presente. Ainda na década de 80 a população gay sofria com a rejeição e preconceito, vivendo a margem da sociedade e sofrendo ameaças, como a famosa reportagem onde a jornalista questiona transeuntes na Avenida Paulista, se gays e lésbicas deveriam ou não morrer.



Foi e tem sido a passos lentos e com muita dificuldade, que os direitos da comunidade LGBTQIAP+ foram conquistados, a seguir listamos alguns deles:

  • 17 de maio de 1990, o termo homossexualismo (sic) foi banido e a homossexualidade deixou de ser considerado doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS);

  • Em 2008, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, distribuiu a carta com os Princípios de Yogyakarta, que era considerados direitos e deveres apresentados à ONU sobre direitos LGBTQIAP+, na primeira Conferência Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais no Brasil;

  • Em 2011, a ONU reconheceu através de resolução que violações de direitos a essa comunidade são consideradas violações aos Direitos Humanos, porém, não há lei que assegure isso em todos os países;

  • Em 2013, no Brasil, foi assegurado pelo STF, o direito a casais homossexuais de se casarem, proibindo que cartórios recusassem tal solicitação;

  • Em 2015, nos EUA, foi garantido pela Suprema Corte, o direito a casais homossexuais de se casarem, já que o direito era garantido apenas em alguns estados;

  • Em 2016, no Brasil, foi garantido o direito a pessoas trans a troca de nome em todos os documentos, garantindo a inclusão e respeito ao gênero de identificação;

  • Em 2018 a OMS retirou do catálogo de doenças a transexualidade.

  • Em 2019, no Brasil, foi votado pelo STF e enquadrando em crime de racismo, qualquer ato considerado homofóbico;

  • Em 2020, no Brasil, foi banida a não autorização de doação de sangue por homens gays, antes considerados grupo de riscos em transmissão de doenças sexualmente transmissíveis.

Mesmo com esses direitos garantidos, a população LGBTQIAP+ ainda vive de maneira vulnerável. De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB) o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIAP+ no mundo. Em 2019 era um membro da comunidade morto a cada 27 horas.


Em contrapartida o Brasil é considerado o que mais consome pornografia trans no mundo!


No mundo, o simples direito a vida não está garantido a essa comunidade. Em pelo menos 70 países é crime ser LGBTQIAP+ e em alguns deles a condenação pode ser a morte.

O turismo dessa comunidade não é aceito em todos os lugares. Como fato recente, temos a Copa do Mundo de Futebol, que será realizada no Catar. País onde a população gay é proibida de se expressar e pode ser condenada. Turistas da comunidade LGBTQIAP+ que tem buscado o local para o evento, tem encontrado dificuldades em reservas de hotel e recebido conselho das autoridades locais de não demonstrarem afeto em público.


O preconceito e o mercado de trabalho


Embora sejam visíveis alguns avanços, há muito o que se fazer. O mercado de trabalho ainda é um grande desafio, se mostrando machista e homofóbico. São poucas as empresas onde são encontradas pessoas LGBTQIAP+ em cargos de lideranças ou desempenhando papéis de confiança. Isso se agrava quando aumentamos a lupa e olhamos para a população trans, devido ao preconceito e a falta de inclusão.


Ainda são poucas as empresas nos grandes centros urbanos, sem falar nas empresas do interior, que trazem a pauta de inclusão para mesa, a maioria sem qualquer plano ou projeto visando atingir positivamente a comunidade LGBTQIAP+.

Porém, são essas empresas que, em todo mês de junho, se revestem de arco-íris, a fim de celebrar o mês do orgulho, em memória de Stonewall e esquecem que nos outros meses do ano continuam atacando Marsha e toda a sua comunidade.


A importância da diversidade na política


Aos poucos a comunidade LGBTQIAP+ tem conquistado alguns espaços e um dos principais é o campo político.

Da esquerda para direita, a primeira-ministra da Sérvia, Ana Brnabić, o primeiro-ministro de Luxemburgo, Xavier Bettel, o ministro da saúde da Alemanha, Jens Spahn, o Secretário do Transporte americano Pete Buttigieg e o deputado neozelandês, Grant Robertson, fazem parte de uma onda de políticos abertamente gays no governo.
Da esquerda para direita, a primeira-ministra da Sérvia, Ana Brnabić, o primeiro-ministro de Luxemburgo, Xavier Bettel, o ministro da saúde da Alemanha, Jens Spahn, o Secretário do Transporte americano Pete Buttigieg e o deputado neozelandês, Grant Robertson, fazem parte de uma onda de políticos abertamente gays no governo. Foto: Instagram.

Nos últimos anos tem se observado o crescimento de políticos LGBTQIAP+ assumindo postos importantes em câmaras de vereadores, de deputados e no Congresso Nacional. São nomes de grande peso, que tem lutado arduamente para a garantia, cumprimento e reclamação pela conquista de novos direitos. Ao assumir esses espaços, esses políticos tem levado a voz dessa comunidade, que tanto sofre e é descriminada.


O protesto que virou orgulho e ganhou a avenida


Desde os protestos da semana de 28 de junho de 69 em Stonewall até hoje, a população LGBTQIAP+ tem alcançado direitos e saído da margem da população. Graças a organização de movimentos, protestos e paradas, tem se ganhado voz e espaço.


Os protestos realizados por Marsha e seus amigos, garantiram à essa comunidade que ela tenha orgulho de ser quem é, de poder amar e viver a sua maneira. Os protestos de Stonewall se tornaram a Parada do orgulho LGBTQIAP+, convidando todos, todas e todes à celebração e luta.


No último dia 19 de junho, mais de 3 milhões de pessoas LGBTQIAP+ ocuparam a principal avenida da cidade de São Paulo, a avenida Paulista, relembrando, reclamando e protestando, assim como Marsha em 69, por mais respeito, inclusão e direitos. Esses gritos e protestos ecoam não só pelo Brasil, mas também por vários outros lugares do mundo, como Tel Viv, Sidney, Los Angeles, entre centenas de outros.


Muitos avanços foram alcançados e muitos direitos conquistados, não há dúvidas sobre isso. Porém, esses avanços e direitos não são alcançados por todos LGBTQIAP+. Ainda há uma grande parcela dessa comunidade que sofre o preconceito e o ódio na pele. Em muitos casos, principalmente nas classes menos abastadas, ainda não é seguro se assumir em casa uma pessoa LGBTQIAP+. A marginalização, muitas das vezes, é o caminho encontrado como tentativa de sobrevivência, para essas pessoas que são expulsas de casa por tentarem ser elas mesmas. É dever dos LGBTQIAP+ que possuem mais acessos e informação, lutar e buscar caminhos e trabalhar a conscientização para os mais expostos ao perigo da homofobia.


Ainda há muito o que caminhar e conquistar, mas olhando para o passado, relembrando os antecessores volta-se os olhos para o futuro, com orgulho e com a coragem de lutar e poder ser o que se é!


Texto escrito por Felipe Bonsanto

Formado em Administração de empresas, pós graduação em marketing e apaixonado por Los Hermanos. É militante pelos direitos LGBTQIAP+, trabalha com educação há oito anos, atua como co-host no podcast O Historiante e é colunista do Zero Águia.

 

Fontes:



Quinalha, R. Contra a moral e os bons costumes: a ditadura e a repressão à comunidade LGBT. Ed Companhia das Letras, SP, 2021.








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